19 de maio de 2007

A crise na USP

mayerCRÉDITO DAS FOTOS: SIMONE HARNIK / G1Prédio da reitoria da USP ocupado por 'estudantes'

Em recente artigo, tratei do tema da ocupação da reitoria da USP, Universidade de São Paulo, no campus Butantã, por alguns alunos. Mais do que abordar o movimento e a greve que se instalou, descrevi o curioso saudosismo dos tempos da Guerra Fria e do alinhamento pró-soviético de parcela substantiva do alunado.

Nos dias que se seguiram até a data atual, os principais órgãos de imprensa deram cobertura à evolução dos acontecimentos. Como aluno da universidade, acompanhei de perto a movimentação. O texto a seguir visa a relatar os acontecimentos e a oferecer um diagnóstico da crise que se instalou. Com efeito, procuro também oferecer propostas e soluções.


HISTÓRICO - No mês de janeiro, logo após a posse, o governador José Serra criou medida que visou a exigir mais transparência nos gastos das três universidades estaduais – USP, Unesp e Unicamp, através do qual as contas das instituições de ensino passariam a ser incluídas no Siafem, Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios. “O sistema monitora a movimentação do caixa de órgãos públicos, permitindo aos contribuintes acompanhar o uso de seu dinheiro e, aos administradores, avaliar a eficiência da gestão financeira”, conforme esclareceu a revista Veja, na edição do dia 16 de maio. Aos reitores das universidades não agradou a idéia e, sob o argumento de “perda de autonomia”, fizeram declarações descabidas. “Acabaram insuflando a extrema esquerda estudantil”, escreveu Reinaldo de Azevedo, colunista de Veja, em seu blog.

Desde os primeiros meses do ano letivo já se observavam cartazes e panfletos de autoria de centros acadêmicos, condenando a medida do governador. No período, ocorreram diversas reuniões de estudantes e algumas delas contaram com debate de professores. Destaque-se que os órgãos de ‘representação estudantil’ (CAs e DCEs) são ocupados por ‘estudantes’ que, mais do que essa qualificação, são ativistas militantes de partidos políticos, majoritariamente do PT, PSTU, PSOL, PCO e PC do B. Além desses, também aderiram ao movimento estudantes sem qualquer vínculo partidário, mas que são simpáticos aos ideais da esquerda revolucionária. Outros, bem intencionados, inclusive alguns colegas, desejosos de alcançar seus objetivos acadêmicos, não se dão conta de que sucumbem atuando como massa de manobra dos radicais. Numa assembléia de estudantes, da qual participei como ouvinte fortuito, a forma de tratamento que os oradores destinavam à platéia era - pasmem(!) - camaradas.

Os líderes dos movimentos que se opuseram ao decreto do governador solicitaram audiência à reitora da USP, Suely Vilela, e foram informados de que seriam atendidos pelo vice-reitor, pelo fato de a reitora encontrar-se viajando. No dia da audiência os estudantes não quiseram conversa com o vice-reitor e deram início ao quebra-quebra que destruiu as portas da reitoria e invadiram as suas dependências. Um colega que esteve presente disse que "a ocupação foi pacífica”, mas a foto abaixo põe em dúvida a informação.

O espantoso é que, mesmo num centro de excelência acadêmica como a Universidade de São Paulo – que exige aprovação na Fuvest, um dos mais difíceis vestibulares do país, acessível somente àqueles que tiveram uma boa base educacional -, haja tanta desinformação por parte do alunado. Nessa análise, porém, é muito importante não generalizar. Toda essa descrição é bastante válida para a FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e para a ECA (Escola de Comunicação e Artes) – exatamente as unidades tiveram maior adesão de alunos à greve que se instalou e que se mostraram favoráveis à ocupação da reitoria.

A FFLCH e a ECA comportam cursos de graduação em Ciências Sociais, História, Geografia e Jornalismo, entre outros, e têm um histórico que se caracteriza pelo combate à ditadura militar, mas também pelo alinhamento pró-soviético, nos tempos da Guerra Fria do século passado, tanto por parte do alunado como de seu corpo docente, diga-se Marilena Chauí (foto) ou Emir Sader, entre muitos outros. Não há mais ditadura militar e a ex-URSS foi esfacelada. Os saudosos da época, porém, ficaram órfãos de modelos e de ideais. Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, uma ala alinha-se a favor do governo Lula da Silva e outra mais radical aderiu aos partidos mais à esquerda, como PSOL, PSTU, PC do B e PCO. Quase todos defendem governos como os de Hugo Chaves, da Venezuela, e de Evo Morales, da Bolívia.

Para esses pseudo-estudantes o que mais importa é a baderna e o quebra-quebra. A utopia ainda é uma revolução nos moldes bolchevistas. E a chance de tomar posse de um espaço como a reitoria da Universidade acaba se transformando numa insólita conquista.

Prédio da FEA-USP
O OUTRO LADO – Enquanto certos prédios da universidade são caracterizados pelo “cinza-concreto com pichação — misto de Alemanha Oriental pré-queda do Muro com Paris de 1968”, como os descreve Reinaldo de Azevedo em seu blog, a FEA (Faculdade de Economia e Administração) parece uma ilha de prosperidade, um complexo limpo e organizado. Quando vou tomar café na cantina da FEA, um amigo do curso de Letras costuma dizer: “aqui é a Europa da USP enquanto a FFLCH é a África”.

O que distingue a FEA das demais? – Ela recebe dinheiro de fundações como a FIA (Fundação Instituto de Administração), a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e a Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras).

Para equiparar-se, bastaria à FFLCH criar o seu próprio instituto de pesquisas. E não faltaria dinheiro proveniente da iniciativa privada, que tem interesse por ciência. Basta um pouco de competência para que se crie, como sugere Reinaldo de Azevedo, “uma robusta fundação, um DataBrasil, um DataUSP”, que partiria da união entre os sociólogos, filósofos, historiadores e filólogos dali com os especialistas em estatística do IME. É vergonhoso que não se tenha na FFLCH uma fundação, como em tantas outras universidades, que edite livros e ofereça melhores traduções ao pobre acervo científico disponível em Língua Portuguesa. E isso não precisa ser financiado com dinheiro público. Esse sobraria para pintar paredes e reformar banheiros.

Para ver mais fotos da ocupação da reitoria da USP clique aqui
mayer

3 comentários:

Gabriel Souza disse...

Gostei muito do seu artigo, não está preconceituoso, fique tranqüilo quanto a isso. Talvez um ou outro que seja mais radical pode ter essa impressão. Só não acredito que alguém investiria na FFLCH...

Abraço!

Marcus Mayer disse...

Obrigado pelo comentário, Gabriel. Tomei cuidado para relatar os fatos de forma isenta, tal qual realmente aconteceram.

Sobre os investimentos na FFLCH, acho que de agora em diante teremos uma tarefa: vamos nos empenhar para a criação de uma fundação. Muito melhor do que perder tempo com a estupidez desses movimentos, acho que poderemos fazer um grande bem para a comunidade acadêmica da qual participamos, mobilizado professores, estudantes, dirigentes, empresários e fundações terceiras nessa empreitada. Vamos criar a Fundação DataUSP!

Conto com você. Forte abraço.

Hamer Palhares disse...

Caríssimo Marcus,

Perfeito! Como colega de turma, respeito muitíssimo sua opinião e, neste artigo, você tocou nos pontos nevrálgicos de forma assertiva.
Fez como um cirurgião faria: diagnosticou e expôs o problema, sugerindo as alternativas mais eficazes e menos agressivas possíveis. O contrário diríamos destes alunos (posto que não podem, sob forma alguma, serem chamados de estudantes): produzem mais calor do que luz, estão aderidos a modelos antiquados e já, repetidas vezes, reconhecidos por usa ineficiência.
Abraços e parabéns mais uma vez!